terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

ANÁLISE DE FILME SOBRE O PROBLEMA DA JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO. FILME - O SENHOR DAS MOSCAS – LORD OF THE FLIES.

ANÁLISE DE FILME SOBRE O PROBLEMA DA JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO.
FILME
O SENHOR DAS MOSCAS – LORD OF THE FLIES.

Realização: Harry Hook (1990 – 91 m.)
APRESENTAÇÃO
Trata – se um filme inspirado no livro " O Senhor das moscas", com o qual o seu autor, William Golding, ganhou o prémio Nobel da literatura.
Um grupo de estudantes entre os 9 e os 12 anos de idade sofre um desastre de avião e cai numa ilha deserta. Pertenciam a uma academia militar, pelo que o comandante do grupo assume a liderança. No início a alegria é a nota dominante. Não há aulas, não há adultos... só há férias! Como se trata de uma ilha tropical, sentem-se no paraíso. No entanto, é preciso lutar pela sobrevivência para conseguir alimentos, para se protegerem das condições climatéricas e para avisar os possíveis socorristas de que estão vivos... Dividem-se tarefas, estabelecem-se objectivos, mas nem todos os elementos do grupo possuem a mesma motivação. Alguns não estão dispostos a aceitar as regras do jogo, mesmo que o que esteja em causa seja a sobrevivência... Um dos rapazes propõe que se dediquem apenas à caça e às brincadeiras, apresentando aos seus companheiros soluções fáceis e de satisfação imediata. Recusa participar nos trabalhos rotineiros que caberiam a todos os estudantes. Desfaz-se a união entre os colegas e alguns seguem o rebelde. Com o desenrolar da história, o comandante do grupo vai - se sentindo mais isolado, mas não cede nas suas convicções e no que ele considera mais adequado para o bem de todos. Mantém a sua estratégia, a única correcta a longo prazo. Mas a sua firmeza é insuportável para os insubmissos que, numa explosão de ódio, tentam matá-lo, depois de já terem morto um dos poucos colegas que o apoiava. É um homem só, o único que não se juntou aos do "outro grupo". No momento em que está quase a ser apanhado, chegam uns helicópteros salvadores, colocando um ponto final à história, que fica em aberto... a conclusão tem de ser tirada por todos os espectadores do filme ou leitores do livro.

DESCRIÇÃO E COMENTÁRIO
O filme, tal como a novela em que adaptou, baseia – se na visão que Thomas Hobbes apresentou sobre a natureza humana. O nosso comportamento civilizado é uma camada de verniz muito fina. Basta arranhar a superfície para que o verniz estale e se revelem os nossos impulsos agressivos e egoístas. A maldade é fácil – nas condições propícias desencadeia – se facilmente. A bondade e a civilidade são difíceis porque têm de combater a agressividade e o egoísmo que naturalmente nos caracterizam. O comportamento civilizado resulta de um esforço que muitas vezes fracassa ou cujo sucesso é frequentemente temporário. A barbárie é uma possibilidade sempre em aberto.
O mundo está em guerra. Um avião que transporta rapazes de um colégio inglês cai numa pequena ilha tropical. O piloto desaparece e umas poucas dezenas de jovens entre os 6 e os 12 anos terão de se desenvencilhar sozinhos. Não há nenhum adulto para comandar e tomar conta da situação.
A princípio, como bons cidadãos britânicos, os rapazes adoptam uma forma de organização parlamentar. Estabelecem regras, realizam assembleias e definem projectos. Devem procurar água, construir abrigos e, o mais importante, devem manter sempre acesa uma fogueira para que possam ser detectados por navios ou aviões que eventualmente passem. Para acender o fogo, usam os óculos de Piggy. Ralph é o líder dos rapazes, em parte porque inspira confiança e em parte porque tem na sua posse uma grande concha, símbolo de civilização, organização e ordem. Até agora o verniz da civilização ainda não estalou. Contudo, a pouco e pouco, vai – se desgastando. Jack, começa a causar problemas ao descobrir que na ausência de adultos não tem que se submeter a autoridade nenhuma. Conforme as semanas passam, ocorrem mudanças significativas. Os rapazes começam a deitar fora as suas roupas britânicas e com isso a sua identidade britânica. Parecem indígenas nascidos na ilha. Todos menos Ralph e Piggy que mantêm as suas roupas e insistem na manutenção da fogueira. Já se apagara uma vez e um navio de passagem não reparou por isso mesmo que havia rapazes na pequena ilha. Jack e alguns dos seus seguidores começam a caçar porcos na ilha. A princípio, a sua natureza civilizada torna difícil levarem a cabo a tarefa de matar. Contudo, colocando máscaras e pinturas dá – lhes a pouco e pouco uma nova identidade como caçadores. Após uma discussão, afastam – se de Ralph e Piggy ao mesmo tempo que descartam a ideia de procurar construir uma sociedade civilizada na ilha. Numa orgia de violência, matam o seu primeiro animal, uma porca que amamentava as suas crias. Cortam a cabeça do animal e espetam – na num pau afiado como sacrifício à besta selvagem. A besta é uma sombra que assusta as crianças mais pequenas. Espalha – se o rumor de que um ser de forma indefinida se move de noite, saindo do mar. Piggy tenta convencer os outros de que não há nada de assustador na ilha. Diz que o único perigo é «começarmos ater medo uns dos outros». Mas para Jack, a besta torna - se uma entidade poderosa que deve ser aplacada, uma espécie de deus da ilha, de quem ele seria o sacerdote.
Quando alguns dos rapazes encontram uma coisa estranha na ilha, convencem - se de que a besta existe. (Mas a estranha coisa é o cadáver do piloto do avião pendurado no pára-quedas e que balança de um lado para o outro. Pouco depois, Simon, um rapaz com um acentuado grau de espiritualidade, encontra a «besta» e apercebe – se do que realmente é a tal coisa estranha: o cadáver do piloto. Liberta o cadáver e corre para contar aos outros que não há besta nenhuma. Dá com uma frenética dança de mata – porcos organizada por Jack. No frenesim da dança, não reconhecem Simon e tomam – no pela besta. Os caçadores atacam Simon e esfaqueiam – no até à morte.
É o fim da inocência para todos. Para Ralph e Piggy só há uma solução. Adoptam um mecanismo de defesa – a negação – recusando encarar o facto de que também participaram na dança. Para Jack e os outros rapazes já não há regresso à razão. Rejeitam a concha, Ralph, Piggy e as recordações da sua vida anterior. Apercebendo – se de que precisam de acender uma fogueira, saqueiam o acampamento e roubam os óculos de Piggy. Com a desaparição quase por completo da visão de Piggy, desvanecem – se também os últimos vestígios de civilização. Ralph e Piggy são os únicos que se preocupam com a ideia de resgate. Aproximam – se Jack para que este devolva os óculos de Piggy. Dizem: não é um favor que te pedimos! Piggy argumenta: « Não te peço para seres simpático e não peço por seres forte. Faço – o porque o que é correcto é correcto». Os outros colocaram pinturas de guerra. Ralph e Piggy não «porque não somos selvagens – dizem». Piggy tenta convencê – los uma vez mais a reconhecerem o valor da civilização: «O que é melhor, ter regras e acordos ou caçar e matar? O que é melhor, a lei e sermos resgatados ou caçar matar e destruir tudo?». A argumentação de Piggy é em vão. Os «caçadores empurram um a grande pedra e fazem – na rolar na direcção de um Piggy que sem os óculos quase nada vê. Piggy morre. Agora é a vez de Ralph tentar salvar a pele. Foge e esconde – se como se fosse um porco. Para o desalojarem do seu esconderijo, os rapazes começam a atear vários fogos. O que parecia ser o fim de Ralph, acaba por conduzir à sua salvação. O fogo é visto por um navio de guerra britânico e um oficial interrompe a caçado mesmo no momento em que Ralph está prestes a ser assassinado.
«Diversão e jogos – disse o oficial (Mas quando se apercebe de que não se tratava de diversão, censura – os). Eu devia ter pensado que um bando de rapazes britânicos – são todos britânicos, não são? – seria capaz de organizar um espectáculo melhor do que este. E, no meio dos rapazes, com o corpo sujo, o cabelo cheio de terra e lama, o nariz ranhoso, Ralph chorava pela inocência perdida, a impiedade e as trevas do coração humano e sobretudo a queda mortal do seu único verdadeiro amigo, um rapaz sensato e bom chamado Piggy.
O oficial, rodeado por estes ruídos, ficou comovido e um pouco embaraçado. Afastou – se dando – lhes um tempo para se arranjarem e esperou, descansando o seu olhar no navio estacionado ao largo».
ACTIVIDADES SOBRE O FILME
1.Resuma o filme a que assistiu.
2.Em que consiste o problema da justificação do Estado?
R: O problema da justificação do Estado consiste em saber se e como a autoridade política ou do Estado podem ser justificados. Porquê o Estado? Não podemos viver sem ele? Por que razão consentimos em ser governados pelo Estado? Por que razão admitimos, em geral, que alguém nos diga a que velocidade devemos circular, quanto devemos pagar de impostos, com quantas pessoas podemos legalmente casar, que temos de ter uma certa idade para tirar a carta de condução e que há actos que são permitidos e outros que são proibidos? Em suma, por que razão obedecer a uma autoridade que nos impõe o que devemos fazer e nos castiga e pune quando não cumprimos a sua vontade – a lei? Haverá alguma vantagem que daí retiramos ou é um a inclinação natural que muitos obedeçam a poucos?

3.Descreva sucintamente o que Thomas Hobbes entende por estado de natureza. Este autor tem uma visão positiva da natureza humana? Que solução propõe Hobbes para que se ultrapassem os inconvenientes do estado de natureza?

R: A teoria política de Hobbes parte da ideia de que o homem é mau por natureza. Para o provar descreve o que é o ser humano em estado natural – no estado de natureza – um estado em que as relações entre os seres humanos não são regidas por leis por todos reconhecidas. O estado de natureza é aquele em que todos se julgam com direito a tudo. Por isso, ninguém reconhece ou respeita direito algum. A vida humana é nesta situação um permanente conflito e está constantemente ameaçada pela guerra de todos contra todos. Ninguém, racionalmente, pode aceitar viver uma situação em que não há garantia alguma de continuar a viver.
Hobbes tem uma visão negativa do ser humano. Sem uma autoridade que imponha limites e estabeleça o que é proibido e permitido, o «homem é o lobo do homem», um ser caprichoso, egoísta que não respeita nada nem ninguém e está disposto a utilizar todos os meios pra atingir os seus fins.
Para garantir uma certa segurança, ordem e estabilidade, os indivíduos renunciam incondicional e irrevogavelmente a todos os seus direitos. Cedem-nos a uma só pessoa: o soberano, a única autoridade que pode assegurar a ordem e a paz sociais. O objectivo fundamental do Estado é garantir a segurança e a paz social porque esse é o interesse primordial de cada ser humano.

4. Pode dizer – se que o tema do filme é o conflito entre civilização e barbárie? Porquê?
R: Sim. Lord of the Flies retrata um problema humano fundamental: o conflito entre o impulso para obedecer a regras, para nos comportarmos dentro dos parâmetros da legalidade e da moralidade e o impulso para usar a força bruta e submeter os outros dessa forma, para agir de forma egoísta e cruel, de desprezar as normas legais e morais, enveredando pela violência como forma de resolução de problemas. O primeiro conjunto de impulsos pode ser considerado como o instinto para agir civilizada e sociavelmente – o instinto para cooperar em vista de interesses comuns e agir pacificamente. O segundo conjunto de impulsos representa o instinto da barbárie, a tendência para se revoltar contra as normas e padrões de acção civilizada, para promover a anarquia, o caos ou o despotismo e a violência. O conflito entre Ralph e Jack simboliza o conflito entre estes dois impulsos e a afirmação de que a bestialidade sempre acaba por triunfar.

5.Qual é a tese que o filme essencialmente defende acerca da natureza humana? Rousseau, filósofo francês de século XVII, afirmou que o ser humano é naturalmente bom e que é a vida e as experiências em sociedade que o estragam e o tornam escravo de certos interesses e desejos. Será que o filme ilustra esta tese?

R: Contrariamente à crença de que o homem é por natureza bom e a sociedade má, o filme mostra que leis e regras, polícias e outras formas de autoridade são necessárias para controlar e tentar conter o impulso naturalmente humano para a violência e a crueldade. Quando estas instituições falham ou são desprezadas – é o que a partir de certa altura acontece no filme com a usurpação do poder por Jack e o seu grupo de caçadores, o lado negro do ser humano emerge e os seus comportamentos assumem formas selvagens e destrutivas.
Basicamente, o filme trata da descoberta do mal que existe no coração do ser humano. Independentemente da idade e do meio onde o ser humano viva, o mal surge como algo natural. Mostra como crianças (entre 6 e 12 anos), após um acidente aéreo, sobrevivem numa ilha perdida, sem a presença de adultos (autoridade), abastecida de comida e bebida à vontade (clara analogia ao Éden), e como essa situação vai progressivamente dando lugar à selvajaria. Apesar de terem recebido fina educação inglesa, os rapazes regridem para a pura selvajaria, criando ritos e sacrifícios, desrespeitando as "leis" por eles mesmos instituídas até culminar no assassinato e na perseguição encarniçada aos opositores. Podemos dizer que tudo isto é desencadeado pelo do medo do desconhecido, pela forma como os líderes do grupo exploram o medo do mundo externo e fazem com que os menos fortes obedeçam. Contudo, temos de ir mais fundo na questão: não é uma entidade maléfica externa que deve ser responsabilizada pelo caos e anarquia, pela crueldade. O mundo externo com as suas ameaças unicamente permite a descoberta do mal e da crueldade que existe em cada um de nós. Sempre presente sob forma latente, esperando por uma oportunidade para se manifestar, o impulso para o mal, a crueldade e a destruição, é algo que só precisa que sujam conflitos de interesses, rivalidades e invejas para se soltar e desfazer laços sociais civilizados. A conduta civilizada é uma camada de verniz que facilmente estala em situações de tensão e de conflito. Não somos morais nem bons por natureza, a compaixão não é inerente ao ser humano.

6. De que forma defende o realizador a sua tese? Deve ter em atenção que as crianças são vítimas de um acidente e subitamente vêem – se num ambiente desconhecido e relativamente ameaçador que, seria de esperar, promoveria relações de cooperação e de entreajuda.
R: O realizador defende que mesmo as condições ambientais mais propícias – estamos num mundo desconhecido e ameaçador, precisamos de união para enfrentar desafios – não são suficientes para ultrapassar a tendência inata dos seres humanos para a crueldade, a violência e a subjugação dos outros. Note – se para reforçar o argumento que as crianças são jovens ingleses entre os 6 e os 12 anos que desfrutavam de uma educação sofisticada – alusão ao desconcertante comportamento da nação alemã durante a segunda guerra mundial? – representando os mais elevados padrões do que podemos chamar civilização. Numa ilha deserta, apesar de tentativas iniciais de organização civilizada dos comportamentos, a luta pela supremacia depressa se instala e o desrespeito pelas normas e regras conduz à desintegração da civilização.

7. Depois do acidente e de uma certa desorientação, os jovens tentam organizar – se. A primeira forma de organização é democrática. Porquê? Quem simboliza a democracia?
R: Os rapazes começam por eleger um líder, Ralph, que convoca frequentes reuniões e que usa uma concha como símbolo da sua autoridade. Mas os defeitos da natureza humana são mais fortes do que as regras e leis da sociedade.

8. Ralph e Jack têm concepções diferentes do mundo, ou seja, têm mentalidades diferentes. O que distingue o modo de pensar dos dois protagonistas?
R: Podemos dizer que o mundo de Jack e o de Ralph se distinguem com base nas prioridades – no que consideram prioritário ou mais importante – e na forma como interagem com os membros do grupo. Oferece aos membros do grupo a possibilidade de discutir as decisões, de participar no desenvolvimento da sociedade que estão a construir.
Ralph tem uma mentalidade relativamente democrática. A sociedade - o grupo de rapazes – deve organizar – se fundada no princípio da salvação ou do resgate pelo que exige que o fogo permaneça aceso e que os rapazes se organizem nesse sentido.
Jack tem uma mentalidade autoritária e tirânica. Para ele a sociedade deve organizar – se em torno do princípio da sobrevivência pelo que caçar é bem mais importante do que manter o fogo aceso. Oferece aos membros do grupo comida e segurança.

9. Já ouviu falar da oposição entre sociedades abertas ou democráticas e sociedades fechadas ou totalitárias – ou pelo menos ditatoriais ou autocráticas. O que simboliza a vitória de Jack sobre Ralph?
R: A vitória de Jack sobre Ralph simboliza que preferimos a segurança à democracia quando nos sentimos ameaçados. Mas a ditadura também nos faz viver no constante medo da arbitrariedade de quem manda.


10. No final do filme, um navio da Marinha britânica surge em operação de resgate e salva Ralph (a civilização) quando tudo parecia perdido. Um símbolo de força aparece para salvar a civilização e por fim à selvajaria. Qual lhe parece ser o significado simbólico deste facto?
R: O oficial da marinha britânica põe fim à caça a Ralph. Ralph simboliza a democracia. O facto simboliza que, tal como aconteceu durante a segunda guerra mundial, a foça militar é necessária para salvar a civilização da barbárie (dos nazis).
A questão com a qual o filme encerra é contudo esta: as crianças foram salvas pelos adultos mas quem salvará os adultos que com tanto empenho desenvolvem dispositivos e arsenais militares a que de uma forma eufemista dão o nome de sistema de defesa?

11. Na caçada a Ralph, as crianças comandadas por Jack usam os óculos de Piggy – um exemplo de tecnologia moderna – para atear um fogo que irá desalojar a sua presa. Contudo, o fogo acaba por queimar toda a floresta e destruir toda a vida animal na ilha. Qual é o significado simbólico deste facto?
R: Este facto simboliza a inclinação humana para a violência, o mau uso da tecnologia – destruindo o ambiente - e a criação de armas que poderão conduzir a um suicídio global.

12. Que relação podemos estabelecer entre a teoria de Hobbes sobre a natureza humana ou o estado de natureza e a mensagem do filme a que assistiu?
R: Podemos dizer que o filme, de acordo com o autor da novela, William Golding, transmite uma ideia profundamente negativa da natureza humana. Entregue aos seus instintos e sem a regulação de leis instituídas por uma autoridade por todos reconhecida, o ser humano transforma – se numa besta, num selvagem, num predador sem qualquer respeito pela vida dos outros quando se trata de impor a sua vontade, o seu instinto de sobrevivência e fazer triunfar os seus interesses. Reina a desordem e a lei do mais forte mas como pode haver sempre alguém mais forte e astuto do que nós vivemos constantemente angustiados pela possibilidade de uma morte violenta. Hobbes pensava que a inata bestialidade do ser humano só podia ser contida e regulada por um bom governo que proteja os seres humanos da violência, do caos e da anarquia. O governo bom seria o de um soberano que teria o monopólio do uso da violência e a usaria para proteger alguns das tendências selvagens de anárquicas de outros, assim a paz e a estabilidade sociais.
O que tem o nosso filme a ver com a concepção apresentada por Hobbes? «O Senhor das Moscas» descreve o que aconteceria se a autoridade desaparecesse, se os humanos não fossem governados por leis que se erguessem contra o seu natural egoísmo e a sua inata maldade. Ralph, que a princípio parece controlar a situação, partilha o seu poder com Jack mas não consegue transmitir aos seus subordinados a sensação de segurança de que eles sentem necessidade. Hobbes dizia que a lealdade ao soberano só durava se este protegesse adequadamente os seus súbditos. Se não estivesse à altura dessa necessidade de segurança, a sua autoridade desvanecia – se e os súbditos substitui – lo – iam por um outro governante. É o que acontece com Ralph. Quando a ideia de uma besta ameaçadora começa a assustar os rapazes, estes procuram protecção. Contudo, Ralph unicamente insiste na ideia de que devem continuar a manter o fogo aceso para a eventualidade de passar algum avião ou navio que os possa salvar. Mas dada a pressão do medo, isto parece utópico e irrelevante para a maioria. Ralph não consegue acalmá – los. Jack, por sua vez, promete protecção real e efectiva: «Eu e os meus caçadores iremos proteger – vos da besta». Assim, reduzindo o medo, consegue submeter cada vez mais rapazes ao seu governo tirânico. Em nome da segurança preferimos a ditadura – simbolizada por Jack – à democracia parlamentar simbolizada por Ralph e Piggy. No Leviathan Hobbes afirmou que a multidão aterrorizada dos súbditos, os cidadãos ameaçados pela insegurança e pelo medo, que já não se sentiam protegidos pelos representantes do poder, seria capaz de lutar contra aqueles, de os destruir mesmo que durante muito tempo por eles tivessem sido eficazmente protegidos. É isto o que de certa maneira acontece a Ralph. No final do filme é furiosamente perseguido pela tribo de Jack – constituída por muitos dos seus antigos amigos – e deve à sorte manter – se vivo.

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