terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

FILMES SOBRE O PROBLEMA DAS FUNÇÕES DA ARTE - FILME 1 - CINEMA PARADISO


FILME 1
CINEMA PARADISO

Realização: Giuseppe Tornatore
Argumento: Giuseppe Tornatore
Musica: Ennio Morricone
Duração: 120 minutos
Elenco: Salvatore (criança) - Salvatore Cascio / Salvatore (adolescente)
- Marco Leonardi / Salvatore (adulto) - Jacques Perrin / Alfredo - Philippe Noiret /
Usher - Leo Gullotta / Maria (jovem) - Antonella Attili / Maria (adulta) - Pupella
Maggio / Spaccafico - Enzo Cannavale / Anna - Isa Danieli / Elena - Agnese
Nano / Padre Adelfio - Leopoldo Trieste / Idiota da aldeia - Nicola Di Pinto / Lia -
Roberta Lena.

SINOPSE
Salvatore Cascio é um realizador de sucesso em Roma. Uma noite recebe a notícia de que o seu velho amigo Alfredo morreu. É nesta altura que Salvatore se relembra de tudo o que pensava que podia ter esquecido. Relembra os seus tempos de infância, vividos numa cidade pequena da Sicília, assombrada pelo pós-guerra e pela imagem do pai que nunca voltou da guerra. Estes eram tempos difíceis, reinavam a fome, a pobreza, a censura. O cinema era o espaço onde as populações podiam sonhar e por breves momentos serem felizes. As cenas passadas nos cinemas retratam as situações mais caricatas: o início dos namoros, as partidas das crianças, a corrida destas mesmas para a primeira fila frente ao ecrã, negócios obscuros, inclusive cenas de sexo. Salvatore relembra sobretudo o seu amigo Alfredo, o projeccionista da sua cidade que lhe mostrou os segredos do cinema e das projecções e assim estimulou a grande paixão de Salvatore pelo cinema.
DESCRIÇÃO E COMENTÁRIO
Em Roma, Salvatore - um importante realizador de cinema - recebe a notícia da morte de um amigo de nome Alfredo. O aviso desta morte transporta – o a uma viagem ao passado, através das suas memórias de infância e juventude passadas numa aldeia siciliana, marcada pela 2ª Guerra Mundial.
Os habitantes da aldeia tinham por hábito frequentar o cinema local – o Cinema Paraíso. A sala era utilizada para se projectarem blocos de noticiários e variados estilos de filmes que, antes de visionados, eram censurados pelo padre local. Quando algum filme apresentava algum excesso - e um simples beijo era como tal considerado - o padre tocava uma campainha ordenando o corte da cena.
Tal como os restantes elementos da comunidade, o Salvatore também era espectador assíduo do Cinema Paraíso, onde acaba por passar grande parte da sua infância. O pequeno Totó demonstrava um grande fascínio e curiosidade pelas imagens, o que o levou a aproximar-se do projeccionista, Alfredo. Insistentemente, Totó tenta forjar uma amizade com o velho Alfredo. Este, de inicio, não gosta da ideia de ter a criança dentro da sua cabina, ainda por cima a levar-lhe as pequenas tiras de películas resultantes do corte nos filmes censurados. Películas que a criança guardava debaixo da sua cama e que, um dia, chegaram mesmo a provocar um incêndio que pôs em perigo a vida da sua pequena irmã. Depois do sucedido, a mãe de Totó, que não via com bons olhos o facto de o seu filho frequentar tão assiduamente o cinema, faz prometer a Alfredo que não voltaria a deixar entrar Salvatore na sua cabina nem lhe permitiria levar mais nada para casa.
A amizade entre Alfredo e Salvatore ficou comprometida com a intervenção da mãe da criança e por várias vezes o projeccionista recusou as suas tentativas de aproximação. Todavia, a sorte do pequeno muda no dia em que Alfredo se apresenta a exame da quarta classe. Os dois acabam por se encontrar na mesma sala e, durante a prova, Alfredo pede ajuda a Salvatore.
Este aproveita a situação: só corresponde ao pedido depois de convencer o velho projeccionista a iniciá-lo na arte da projecção, isto é, depois de este lhe prometer aceitá-lo de novo na sua cabina. A partir desta altura, a amizade e cumplicidade entre os dois desenvolve-se à medida que a criança vai sendo iniciada na arte da projecção. Naturalmente, Alfredo acaba por ser responsável pela educação da sua sensibilidade artística sempre associada por formas diversas ao cinema. Muitas vezes Alfredo recorre a citações de filmes para dar resposta às dúvidas de Totó.
Um dia sucede que parte da população não teve oportunidade de entrar na sala de cinema, tendo-se aglomerado na praça. Alfredo pergunta então a Totó se concorda em dar às pessoas uma oportunidade de ver no exterior o filme que decorria no interior. Totó está de acordo e consegue projectar as imagens numa parede da praça principal da aldeia. Perante o contentamento geral e o deslumbramento de Totó, Alfredo distrai-se. A máquina de projecção aquece a película e provoca um incêndio que rapidamente alastra e destrói a totalidade o Cinema Paraíso. No acidente, Alfredo é salvo das chamas por Totó acabando contudo por ficar cego. Ele que tanto amava as imagens fica incapacitado de as ver.
Após a tragédia, uma nova época do cinema Paradiso se inicia. A sala de cinema é reconstruída por um aldeão que havia enriquecido com a lotaria. A sala renovada é baptizada de “Novo Cinema Paraíso”. O padre local deixa de ter poder de censura. Os filmes passam a ser exibidos com mais do que as desejadas cenas de beijo até então negadas. O projeccionista é agora Salvatore, já então adolescente, sempre acompanhado pelo velho Alfredo.
É também então que Salvatore compra uma pequena câmara. Com ela capta a imagem de uma jovem de nome Elena por quem se apaixona. O jovem confessa o seu sentimento a Alfredo que, a propósito, lhe conta uma história ocorrida com um soldado: a pedido de uma princesa por quem se apaixonara, o soldado aceita esperar cem dias debaixo da janela do seu quarto. Porém, ao fim de noventa e nove dias ao relento, desiste. Salvatore pergunta porquê. Alfredo responde não lhe caber dar a resposta a essa questão.
Confrontado com a relutância de Elena em iniciar um namoro com ele, Salvatore decide comportar-se como o soldado da história passando todas as noites debaixo da janela da sua amada à espera que esta lhe dê um sinal de correspondência. Numa noite de Ano Novo, o jovem perde as esperanças e desiste de esperar. É nessa altura que, inesperadamente, Elena vai ao seu encontro. Assim iniciam um relacionamento amoroso ao qual o pai da jovem se opõe de forma decidida. Algum tempo mais tarde, Salvatore tem de ingressar no exército e Elena vai estudar para fora da Sicília. A partir desse momento, os dois amantes são separados para sempre.
Quando regressa do serviço militar Salvatore, ainda magoado com a separação, vai ao encontro de Alfredo. Este aconselha o jovem amigo a deixar aquela aldeia sem futuro e a partir em busca do seu sonho num outro local.
Salvatore seguirá o seu conselho e, no dia em que parte, Alfredo obriga-o a prometer que jamais regressará àquela aldeia, que partirá sem olhar para trás, mesmo que as saudades o forçassem a fazer o contrário.
E assim aconteceu durante 30 anos, até ao dia em que Salvatore, então um realizador de cinema prestigiado, é avisado da morte do seu velho amigo Alfredo. Só por isso resolve regressar à sua terra natal e presidir às cerimónias fúnebres. Já na aldeia e em casa da mãe, Salvatore descobre no seu antigo quarto (mantido intacto durante todos aqueles anos) as fitas onde gravara as primeiras imagens de Elena, o que desperta nele sentimentos nostálgicos em relação ao seu passado na aldeia. Ao revê-las, confessa à mãe que, após todo este tempo, nunca se esqueceu deste amor. A mãe responde-lhe que sempre o soube.
Durante o funeral, Salvatore revê e reconhece uma série de figuras da sua aldeia. Passa diante do antigo Cinema Paraíso que se encontra em estado de completo abandono. A sala está prestes a ser demolida para dar lugar a um parque automóvel. O dono, como confessa a Salvatore, atribui a culpa da situação à concorrência da televisão que acabou por afastar a população da sala de cinema. Antes de partir, Salvatore vai a casa de Alfredo. Sabe então que este, antes de morrer, lhe havia deixado como herança uma bobine que lhe é entregue pela viúva.
É já de novo em Roma que Salvatore faz o visionamento da fita. O modesto legado de Alfredo era um maravilhoso gesto de amor. Ao longo de toda a sua vida ligada ao cinema, como amador e projeccionista, ele tinha encontrado forma de transformar esse amor numa obra de arte: uma maravilhosa montagem das centenas de cenas de beijos cortadas pela censura durante a sua vida de projeccionista de aldeia.
Solitário na sala de projecção da Cinecittá em Roma, vendo estas imagens legadas pelo velho Alfredo, Salvatore chora o amigo perdido e a beleza que lhe permitiu "saber ver".
ACTIVIDADES SOBRE O FILME
1.Resuma o filme a que assistiu.
2.Que concepção de arte está explicitamente presente no filme, melhor dizendo, qual é a função da arte que de forma explícita está presente no filme?
R: De forma explícita está presente no filme a ideia de que a arte – neste caso o cinema – é uma forma de evasão e de diversão, baseada numa transfiguração da realidade. Em Cinema Paradiso, a arte oferecia diversão e evasão aos habitantes da pequena vila fazendo – os, por momentos, esquecer a dura realidade da fome, da pobreza e do sofrimento associado a uma guerra mundial aparentemente longínqua. O cinema, representado neste filme na figura da sala do Cinema Paraíso, aparece em todo o seu esplendor, associado ao prazer pelas imagens e à capacidade de fazer sonhar toda uma comunidade - um autêntico paraíso. Para muitos habitantes da aldeia, os filmes projectados na sala do cinema Paradiso criavam uma atmosfera em que podiam respirar – apesar da censura encarnada na figura do padre – e transcender a sua vida tão limitada, o seu tão reduzido universo. Perante a decepcionante realidade e as nossas limitações e defeitos, há coisas que temos de viver pela imaginação, compensando simbolicamente as lacunas da vida.

3. Será essa a única função que neste filme é reconhecida à arte?
R: Não. Podemos ver que a arte é entendida também como uma forma de conhecimento e de alargamento da nossa compreensão da vida. Cada um dos espectadores tem sempre a oportunidade de ver projectado nessas histórias e nessas imagens cenas da sua própria vida, problemas que são os seus, angústias e alegrias porque também já passou. Isto significa que o cinema oferece essa capacidade de identificação que está na origem do seu fascínio. Esta função de espelho permite que cada pessoa, de modo livre, olhe para si, pense sobre si e reflicta sobre a sua vida. Em Cinema Paradiso, os espectadores aprendem verdades sobre os nossos comportamentos e as nossas relações com os outros e com o mundo. Aprendem o que é em geral a condição humana, que há coisas que não podemos viver realmente mas simbolicamente, que certos desejos e anseios só podem realizar – se numa espécie de existência que fica entre a realidade e o sonho.
Os artistas produzem arte, entre outras coisas para criarem um mundo no qual possam viver ou para contestar e criticar o mundo no qual vivem. E, em certa medida, os espectadores procuram a arte por essas mesmas razões.

4.Que outros aspectos do filme podem confirmar a ideia de que a arte é uma forma de conhecimento?
R: O filme Cinema Paradiso é, em certa medida, um documento histórico. Dá – nos a conhecer a realidade social da pequena vila – a divisão social representada pelos lugres que diversas pessoas ocupam no cinema -, o poder da Igreja simbolizado pela figura um pouco cómica do padre – censor, o funcionamento do sistema educativo através de algumas práticas pedagógicas que hoje nos parecem inadmissíveis (o aluno incapaz que é castigado pela professora batendo – lhe com a cabeça no quadro). O filme, imagem ou não da realidade, documento ou ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é História. (M. Ferro)
O cinema converteu - se, por méritos próprios, em arquivo vivo das formas do passado ou, por sua função social, em um agudo testemunho de seu tempo e, como tal, em um material imprescindível para o historiador que assim o queira olhá-lo e utilizá-lo. (J. E. Monterde)

5. Considere os seguintes exemplos:
a) Imagine que vai assistir ao filme Cinema Paradiso com o objectivo de aperfeiçoar o seu domínio da língua italiana.

b) Imagine que vai assistir ao filme Cinema Paradiso porque quer estar na companhia da sua namorada e ela não quer de modo nenhum perder o filme.

c) Imagine que vai assistir ao filme Cinema Paradiso porque como estudante de cinema pretende aprender técnicas narrativas.

Em algum destes casos teria, de acordo com Kant, uma experiência estética?

R: Não. A experiência estética, segundo Kant, é desinteressada, não porque seja indiferente ou passiva, mas porque na contemplação do objecto o sujeito se comporta como se ele não tivesse qualquer utilidade. A contemplação do objecto não tem qualquer finalidade situada fora de si própria. Por isso, a experiência estética é, segundo Kant, puramente contemplativa.

6.«O cinema é por definição uma ilusão, uma ficção». Está de acordo?
R: Teoricamente, o cinema é um processo ilusório. A partir do momento que é um conjunto de fotografias em movimento, compostas tecnicamente numa determinada velocidade (24 fotogramas por segundo) e que a nossa percepção absorve como sequenciais, um filme é resultado da fabricação do imaginário de quem o criou - roteiro, personagens, cenários, diálogos, iluminação e determinou enquadramentos. Contudo, mantém uma relação íntima com o real. Ao longo da sua história, desenvolveu e construiu técnicas de retratação da realidade, capazes de envolver, fazendo com que o sujeito, mesmo que inconscientemente, se identifique com as angústias e os obstáculos quase que insuperáveis vividos pelas personagens. Assim suscita uma reacção à acção dramática... gerando em quem assiste expectativa, suspense, simpatia ou repulsa por um protagonista ou antagonista.
O cinema é ao mesmo tempo realidade e ilusão. Não existe nenhum filme que seja desprovido do sentido do real ou outro que seja totalmente ilusório.
O cinema está ligado directamente ao imaginário das pessoas. Constrói o facto ou história. Dentro da sala de projecção quem assiste distende - se, pensa na vida, coloca - se no lugar dos protagonistas. Quando uma pessoa vai ao cinema, pratica uma espécie de ritual. Escolhe um espaço no lugar escuro que separa o mundo real do mundo imaginário, dividido apenas por uma cortina.


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