terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O PROBLEMA DA MORALIDADE DDO ABORTO - MARY ANNE WARREN


MARY ANNE WARREN
O aborto não deve ser proibido.
«Que características dão a um ser o direito de ser reconhecido como pessoa? Para procurarmos tal critério, é útil que abandonemos por momentos o âmbito das pessoas a que estamos habituados e perguntar se um ser alienígena pode ou não ser uma pessoa. Imaginemos que um viajante do espaço aterra num planeta desconhecido e encontra seres totalmente diferentes dos que conhece e daqueles de que ouviu falar. Se quer ter a certeza de se comportar de forma moralmente correcta com eles, tem de decidir se são pessoas e se por conseguinte possuem plenos direitos morais ou se são seres que não terá qualquer problema de consciência em tratar, por exemplo, como fonte de alimento. Como tomaria essa decisão? Que critérios usaria para as considerar pessoas ou não?
Considero que os traços mais centrais para distinguir uma pessoa são os seguintes:
1 – Consciência (de objectos e de acontecimentos externos e internos e em particular a capacidade de sentir dor ou prazer).
2 – Raciocínio (a desenvolvida capacidade de resolver problemas novos e relativamente complexos).
3 – Actividade automotivada (actividade que é relativamente independente de controlo genético e externo).
4 – A capacidade de comunicar através de mensagens de muitas formas e sobre muitos assuntos.
5 – A presença de autoconceito ou autoconsciência quer individual quer social.
Não precisamos de admitir que um ser deve ter todos estes atributos para ser uma pessoa. Os traços 1 e 2 podem ser suficientes para que um ser seja uma pessoa. E muito provavelmente 1 e 3 também são suficientes. Os traços 1 e 2 são óptimos candidatos para condições necessárias, tal como 3, se por actividade entendermos a actividade do raciocínio.
O aborto é muitas vezes encarado como se fosse uma questão de direitos apenas do feto; e outras vezes como se fosse uma questão de direitos apenas da mulher. A proibição de um aborto seguro e legal viola os direitos da mulher à vida, à liberdade e à integridade física. Se o feto tivesse o mesmo direito à vida que uma pessoa, o aborto seria, ainda assim, um acontecimento trágico e de difícil justificação, excepto nos casos mais extremos. Como tal, mesmo os defensores dos direitos das mulheres devem preocupar-se com o estatuto moral dos fetos.
Nem mesmo uma ética de respeito por todas as formas de vida exclui toda a morte intencional. O acto de matar requer sempre uma justificação, e é um tanto ou quanto mais difícil justificar a destruição deliberada de um ser senciente do que a de uma criatura viva que não é (ainda) um centro de sensações; mas os seres sencientes não têm todos os mesmos direitos. A atribuição de um estatuto moral aos fetos idêntico ao das mulheres ameaça os direitos morais mais básicos destas. Ao contrário dos fetos, as mulheres já são pessoas. Não devem ser tratadas como algo menos simplesmente porque estão grávidas. É por isso que o aborto não deve ser proibido, e é também por isso que o nascimento, e não qualquer outro ponto anterior, marca o começo do estatuto moral pleno.»
Mary Anne Warren, Montagem de textos a partir de duas fontes:
1 - Citada por Theodore Schick e Lewis Vaughn in Doing Philosophy, New York McGraw-Hill, 2003, pp. 38 e 39. Tradução de Luís Rodrigues.
2 - Artigo retirado de A Companion To Ethics, org. por Peter Singer Londres, Blackwell, 1993, pp. 303-314). Tradução de Tomás Magalhães Carneiro in Crítica na Rede http://criticanarede.com/html/aborto.html


1 – Por que razão, segundo Warren, o aborto não deve ser proibido?
Segundo Warren, o aborto não deve ser proibido porque as mulheres já são pessoas e só com o nascimento se pode falar de estatuto moral do bebé. O aborto não é um crime porque só as pessoas podem ser assassinadas e os fetos não são pessoas. Está subentendido nesta argumentação que só as pessoas têm direito à vida. O aborto não viola o direito do feto à vida porque, não sendo pessoa, não tem direito à vida.
2 – Qual o problema desta tese? Que implicações pode ter?
Dado o conceito de pessoa apresentado e porque o recém-nascido não apresenta capacidade de raciocínio que lhe permita resolver problemas complexos nem apresenta autoconceito, podemos perguntar como justificar que o infanticídio é errado. E as pessoas que estão em estado de coma? Não cumprem os critérios de personalidade apresentados. Será permissível matá-las?
3 – Por que razão, de acordo com o texto, o conceito de pessoa não humana é um conceito que não envolve contradição lógica?
Porque, se os alienígenas cumprirem os critérios, serão pessoas, embora não sejam humanos. A experiência mental de Warren sugere que é logicamente possível um não humano ser uma pessoa. Ser-se humano não é uma condição necessária nem suficiente para se ser uma pessoa. Assim sendo, o que confere estatuto moral a um ser humano não é o código genético que o faz pertencer à espécie Homo sapiens. Seres humanos nascidos sem cérebro ou em permanente estado vegetativo não são pessoas porque não cumprem os critérios enunciados.

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