segunda-feira, 5 de dezembro de 2016


FICHA DE TRABALHO SOBRE O FILME “O APEDREJAMENTO DE SORAYA M”


Estamos no ano de 1986, no poeirento e desolado vilarejo de Kuhbpayeh, no coração do Irão onde o jornalista franco-iraniano Freidoune Sahebjam (que na vida real é o autor do livro que deu origem ao filme), para acidentalmente procurando encontrar alguém que conserte o seu carro. Então, inesperadamente, é descoberto por Zahra, uma mulher que é considerada louca pelos homens do vilarejo, por insistir que aquele lugar e os seus habitantes escondem um segredo nefasto. Através de um bilhete, Zahra combina um encontro secreto com o jornalista em sua casa. Aí começa a narrar os acontecimentos  pedindo que Freidoune registe tudo no seu gravador  para que o resto do mundo saiba o que se passou no dia anterior.
A dedicada e fiel Soraya (sobrinha de Zahra) era casada com Ali, um homem  violento e machista, que através de um pacto com  um mulá de passado duvidoso  tenta convencer a esposa a  conceder-lhe o divórcio para que ele possa se ​​casar com  Malaka, uma moça de 14 anos de idade. O motivo: o pai da menina condenado à morte por crime, havia prometido a Ali que lhe daria a sua filha em casamento se este conseguisse livrá-lo da sentença. 

FICHA DE TRABALHO
1.Encontre no filme exemplos de diversidade cultural, ou seja, de práticas e crenças diferentes daquelas próprias da sociedade em que vive.
2. Segundo o relativismo cultural há princípios éticos universais? Porquê?
3. Segundo o relativismo cultural há ações erradas em si mesmas, objectivamente erradas? Justifique.
4. Negar que acerca de questões morais haja verdades objectivas é pelo relativista cultural visto como uma vantagem. Porquê?
5. Que direitos fundamentais foram violados no caso de Soraya?
6.Em nome dos direitos humanos, reconhecemos que Soraya tem um conjunto de direitos que não devem em circunstância alguma ser violados. Na perspectiva relativista, basta uma sociedade instituir como “normal” um certo conjunto de práticas para que tenhamos de as respeitar porque é intolerante e ilegítimo julgar tradições e normas de comportamento culturalmente de outras culturas. Estas duas posições são conciliáveis?
7. Muitas pessoas dirão que ao assistir ao Caso Soraya temos razões suficientes para rejeitar a ideia de que o relativismo cultural promove o diálogo entre culturas. Esta ideia é correta?
8. Tente argumentar a favor da seguinte tese: “É inaceitável que alguém que uma pessoa seja apedrejada até à morte”.























Como Soraya recusa dar o divórcio, o mulá propõe-lhe um casamento temporário (um tipo de união considerado por muitos como uma afronta), prometendo ajuda financeira a Soraya e às suas duas filhas. Na verdade  Soraya tem quatro filhos, dois meninos, que são instigados pelo pai a rejeitá-la, e duas meninas que são praticamente negligenciadas. Durante o filme, Ali dá mostras do seu caráter torpe espancando Soraya, pelos motivos mais ínfimos, como uma louça quebrada e comparando-a  negativamente com a pretendente mais jovem. Não bastante, exibe-se num carro desportivo acompanhado de outras mulheres, enquanto recusa dar o dinheiro para a esposa comprar comida para os filhos.
Um dos seus vizinhos, o mecânico Hashem, fica viúvo. Aproveitando o facto, o mulá, o juiz do vilarejo e Ali tentam  convencer Soraya a trabalhar na casa do viúvo, ajudando - o a cuidar do seu filho que perdeu a mãe. Trata – se de uma armadilha. Este novo trabalho da esposa, é para Ali a oportunidade ideal para acusá-la de ser adúltera e assim conseguir livrar - se dela da maneira mais cruel possível: a morte por apedrejamento. E o seu mau caráter vai além,  afirmando que se Soraya morrer não terá de lhe pagar nenhuma pensão.  A primeira pessoa a  aperceber - se do terrível objetivo de Ali e seus acólitos é justamente  Zahra, que começa a ouvir os mexericos sobre a  suposta infidelidade da sua sobrinha.
Ali, que já conta com o mulá e o juiz da aldeia, só precisa de mais uma falsa-testemunha para incriminar Soraya. Como não tem ninguém a quem recorrer, usa as mais cínicas ameaças e coerções para convencer o viúvo Hashem a contar uma mentira: que ao trabalhar em sua casa Soraya, também se teria envolvido em relações sexuais com ele.
Com esta acusação, Ali tem tudo para arrastar a indefesa Soraya pelas ruas com socos e pontapés. Mas a corajosa tia Zahra consegue tirá-la das mãos do marido e levá-la para sua casa. Enquanto se prepara o julgamento forjado com as falsas testemunhas, Zahra tenta encontrar uma forma de fugir com Soraya. Mas do vilarejo, cercado por todos os lados é impossível fugir.

Zahra insiste até ao último momento em provar a inocência de Soraya, e está disposta até mesmo a morrer em seu lugar. Mas  condenação é inevitável e o cenário do apedrejamento é montado. Todos os vizinhos estão presentes - inclusive o pai de Soraya que foi manipulado e convencido a repudiá-a. Será ele  a atirar a primeira pedra. A “intervenção divina”, parece provar a inocência de Soraya quando ele erra três vezes seguidas o alvo das pedras. Então, Ali decide entrar em ação e acertar as primeiras pedradas. Obrigando os seus dois filhos a fazerem o mesmo. Cada pedrada parece revelar o verdadeiro sentimento das pessoas presentes no cruel espetáculo, enquanto a inocente Soraya enterrada até a cintura, vestida de branco como um anjo, tem suas vestes tingidas de vermelho pelo sangue e agoniza até a morte. 


CORREÇÃO DA FICHA DE TRABALHO SOBRE O FILME “O APEDREJAMENTO DE SORAYA M”.
1. Encontre no filme exemplos de diversidade cultural, ou seja, de práticas e crenças diferentes daquelas próprias da sociedade em que vive.
R: A condição de inferioridade da mulher é a que mais chama a atenção.  As mulheres não têm acesso a nenhum cargo de decisão, a sua vida é governada pela vontade arbitrária dos homens. A inferioridade é tal que, no caso do divórcio entre Ali e Soraya, só a guarda dos rapazes a este interessa. Que uma moça de catorze anos possa ser oferecida em casamento para pagar um favor feito ao pai é mais uma ilustração dessa condição inferior e subalterna. São os homens que julgam, são os homens que decidem. Outro exemplo é o da ideia de recato: uma mulher deve cobrir o rosto quando fala com um homem ou passa por um grupo de homens. A ideia de que o adultério é um crime moral e social punível com a morte é outro exemplo de diversidade cultural porque em Portugal e em outros países nem a moral nem o direito o consideram crime e muito menos está legislado que deve ser objeto de medidas legais coercivas. 

2. Segundo o relativismo cultural há princípios éticos universais? Porquê?
R:Não porque a discórdia acerca do certo e do errado é universal. Assim sendo, não há verdades morais objectivas, não há ações erradas em si mesmas. Cada sociedade é que de acordo com os seus padrões culturais define o que é correto ou incorreto. De sociedade para sociedade uma mesma ação pode ser objeto de diferentes avaliações morais.

3. Segundo o relativismo cultural há ações erradas em si mesmas, objectivamente erradas? Justifique.
R: Não. Na perspectiva relativista, não se pode dizer sem mais A escravatura é moralmente errada. O que podemos dizer é Numa dada sociedade a escravatura é moralmente errada e Numa sociedade diferente - com crenças morais diferentes - a escravatura não é moralmente errada. Não há verdade ou falsidade sobre a escravatura independentemente do que cada sociedade pensa sobre a escravatura.

4. Negar que acerca de questões morais haja verdades objectivas é pelo relativista cultural visto como algo positivo. Porquê?
R: Para o relativista cultural é a aprovação social e cultural que determina que práticas são correctas ou não. O que uma sociedade acredita ser correto ou incorreto constitui o critério último do que é moralmente certo ou errado (cada sociedade tem as suas verdades morais e nenhuma está errada). «Nenhuma cultura é proprietária exclusiva da verdade» e «Nenhuma cultura está errada». Assim, nenhuma sociedade pode dar lições de moral a outra. Isto segundo a tese relativista tem a vantagem de promover a tolerância intercultural. Se duas sociedades têm diferentes crenças acerca de uma questão moral, o relativista conclui que então ambas as crenças são verdadeiras. A cada cultura a sua verdade e isso deve ser respeitado. Para o R.C. devemos julgar as ações dos membros de uma sociedade pelas normas morais estabelecidas no interior dessa sociedade e não mediante as crenças morais de outras sociedades. Segundo o R.C., cada cultura vê a realidade com óculos de diferentes cores mas nenhuma tem o direito de dizer que a sua visão é a única apropriada. Quando se trata das crenças e práticas morais de outras sociedades, devemos tentar usar os óculos que os membros dessas culturas usam. Dizer que algumas práticas morais de certas culturas são intrinsecamente erradas – erradas em si mesmas – é, para o R. C. sinal de preconceito cultural: julgamos que algumas culturas (normalmente a nossa) são, moralmente falando, melhores e mais evoluídas do que outras. Os relativistas argumentam que tal atitude é etnocêntrica. O etnocentrismo é a atitude que consiste em julgar os padrões culturais de outras sociedades tendo como termo de comparação os nossos.
5. Que direitos fundamentais foram violados no caso de Soraya?
O direito à vida e à preservação da integridade física parecem os mais evidentes mas podemos acrescentar o direito a um julgamento justo – se admissível neste caso – e imparcial.  Tudo isto foi flagrantemente desrespeitado.

6. Em nome dos direitos humanos, reconhecemos que Soraya tem um conjunto de direitos que não devem em circunstância alguma ser violados.  Na perspectiva relativista, basta uma sociedade instituir como “normal” um certo conjunto de práticas para que tenhamos de as respeitar porque é intolerante e ilegítimo julgar tradições e normas de comportamento culturalmente de outras culturas. Estas duas posições são conciliáveis?
R: Não. Uma defende que temos direitos que nos pertencem simplesmente por sermos humanos e a outra defende que, dado que cada cultura põe e dispõe, só temos os direitos que cada sociedade nos atribui e reconhece. Reconhecer que há direitos humanos é negar que as práticas e tradições de uma cultura   sejam intocáveis : há valores que estão acima de qualquer tradição cultural. Para o relativista cultural não havendo valores morais universais só temos os direitos atribuídos pela cultura a que pertencemos. A Declaração universal dos Direitos Humanos defende que não temos só os direitos que a cultura a que pertencemos nos concede.
7.Muitas pessoas dirão que ao assistir ao Caso Soraya temos razões suficientes para rejeitar a ideia de que o relativismo cultural promove o diálogo entre culturas. Esta ideia é correta?
R: Parece que sim. O R.C. afirma que aquilo que uma sociedade pensa ser moralmente correto é moralmente correto para ela e nada há a fazer a não ser respeitar. Ora, no caso do apedrejamento de Soraya estamos perante comportamentos claramente inadmissíveis à luz dos direitos humanos. A indignação de outras culturas perante o acontecido e a reação furiosa das autoridades iranianas acusando os estrangeiros de ingerência, são sinal de que o R.C. não fornece uma base para o diálogo intercultural. Como entender o diálogo entre culturas se o R.C. nos parece convidar a uma aceitação passiva do que cada sociedade considera ser moralmente bom? Nenhuma cultura tem práticas erradas? Por que razão, dirão os relativistas culturais, não adoptar o princípio Viver e deixar viver, deixando cada cultura estabelecer o que considera moralmente correto e adequado? Porque, como o mostra o Caso Soraya, isso é deixar cada pessoa à mercê do arbítrio das ideias dominantes em cada cultura, sem qualquer proteção.
8. Tente argumentar a favor da seguinte tese: “É inaceitável que alguém que alguém seja apedrejados até à morte”.
R: Para o RC a aprovação de uma dada cultura é o que torna moralmente certa ou boa uma ação. Cada cultura define o certo e o errado e cada um de nós sabe se age bem ou mal verificando se a ação está ou não de acordo com o código moral estabelecido pela sociedade. Ora isto implica que cada cultura é moralmente infalível. O que por sua vez implica que os indivíduos não podem discordar do que está estabelecido e ter razão. Esta tese parece profundamente contra -  intuitiva.
Será que não podemos censurar determinadas práticas culturais?
 O relativismo cultural implica que nunca podemos criticar as práticas aceites noutras sociedades? Parece difícil e até moralmente censurável que adotemos uma atitude de quase indiferença perante o sofrimento de pessoas submetidas a certos costumes culturais. Se condeno o apedrejamento como forma de punir o adultério, aceitarei que me digam que a minha indignação é sinal de intolerância e de incompreensão dos valores de cada cultura? Como defender os indivíduos de sociedades diferentes da nossa da prepotência dos seus governos, da tortura, e de práticas cruéis?
Parafraseando James Rachels, condenar uma prática em particular não é dizer que uma cultura é no seu todo desprezível ou inferior a qualquer outra cultura, incluindo a nossa. Pode mesmo ter aspectos admiráveis. Na verdade, podemos considerar que isto é verdade no que respeita à maioria das sociedades humanas – são misturas de boas e más práticas. Acontece apenas que o apedrejamento é uma das más, objetivamente errada.



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